– É para o meu filho – disse o homem que comprou o livro do meu mangá diretamente de mim, ao saber que eu era quadrinista.
– Olha, essa história é para adultos – expliquei.
O homem sorriu meio sem graça.
– Ah, OK.
Por que o homem não disse que o mangá adquirido era para ele mesmo? Pode haver um pouco de amor de pai nesse gesto de presentear o filho, mas vejo também um pouco (ou um tanto) de preconceito: quadrinhos é coisa de criança.
Esse episódio já se repetiu comigo várias vezes. Meus mangás não têm sexo nem violência em destaque. Eles não são para crianças porque as temáticas deles são filosóficas, e para quem não gosta de reflexão, não acho que eles sejam interessantes.
No Japão, uma raiz próxima dos quadrinhos é o kami shibai (literalmente: teatro de papel) que foi uma arte popular desde o século XVII. Trata-se de um artista de rua que conta histórias mostrando folhas de papel com ilustrações em sequência, como uma apresentação de slides manual. Seu público principal eram crianças, que pagavam o que podiam ao final da performance. Antes de se tornarem grandes mestres do mangá, Shigeru Mizuki (Gegege no Kitaro), Gozeki Kojima (Lobo Solitário) e Sanpei Shirato (A Lenda de Kamui) fizeram desenhos para kami shibai. O aparecimento da TV na década de 50 extinguiu o kami shibai como profissão, mas o mangá, como uma mídia sucessora, herdou essa imagem de ser coisa de criança.
Uma vez quando eu visitei o museu do Kinjiro Ninomiya, uma figura histórica bem filosófica de Odawara, havia a biografia dele disponível nos formatos de livro só com texto e de história em quadrinhos. Pedi os quadrinhos, mas o diretor do museu negou a minha escolha, dizendo que eu tinha que ler o livro só de texto porque era adulto.
Como se pode ver com o caso da biografia acima, o mangá é muito diversificado em público alvo e temas. Há quadrinhos para adultos em vários gêneros como história do Japão, administração, publicidade, entretenimento, etc. Comiket, o maior festival de mangá do Japão com mais de 730.000 participantes, já registrou cerca de 70% deles na faixa etária de 20 a 40 anos em uma pesquisa.
Grandes obras do mangá para leitores jovens e adultos tiveram reconhecimentos notáveis. “Doumu” de Katsuhiro Otomo ganhou o Grande Prêmio de Ficção Científica do Japão em 1983, sendo o primeiro caso de premiação de uma obra que não fosse um romance. “Fênix” de Osamu Tezuka é frequentemente referido como um mangá que ensina a viver, e a sua fênix foi usada como símbolo de recuperação dos grandes terremotos de 1995 em Kobe e 2011 no Japão Leste.
Conheci pessoalmente quadrinistas e editores no Japão que abraçavam essa idéia de que quadrinhos é coisa de criança. O que vi em comum neles foi o desejo de fazer algo de fácil leitura para as massas, e obter os benefícios desse modelo de negócio: bastante dinheiro, fama, autoridade, etc. Eles tem o direito de fazer as suas escolhas, porém vejo uma busca exagerada da fácil leitura, que frequentemente deixa de ser um meio e vira um objetivo, deixando a obra-vítima mutilada e superficial. Entendo que a simplicidade é o resultado do esmero de uma obra, mas referir-se a isso dizendo “quadrinho é coisa de criança” é uma expressão limitada e portanto inadequada.
No Japão, mesmo com uma forte cultura de quadrinhos, o preconceito de que “quadrinhos é coisa de criança” ainda perdura, principalmente naquelas pessoas que não conhecem bem essa mídia. As estatísticas da faixa etária de leitores do Japão coincidem com as do EUA e do Brasil: a maioria são adultos. Como qualquer uma das artes, os quadrinhos podem ser dirigidos ao público infantil, mas não há por que serem restringidos a ele.
O Tudo Zen Quadrinhos é um desses mangás dirigidos a leitores mais maduros, psicologicamente falando, o que é mais importante do que a simples idade física. Leitores que, mais do que uma simples leitura divertida, procuram respostas aos seus problemas e pequenas pérolas de sabedoria sobre como viver melhor e ser mais feliz, sem se importar com críticas preconceituosas do tipo “isso é coisa de criança”. Eu sou um desses leitores. E você?
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E você, o que pensa sobre a idéia de que “quadrinhos é coisa de crianças”? Deixe seu comentário mais abaixo.
Até a próxima e fique Zen!
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